O médico Arnais Albriza em atendimento domiciliar à moradora Edleuza das Neves, no Recife |
O assunto parece coisa menor às vésperas de a Câmara dos Deputados
analisar uma denúncia da qual é alvo o presidente Michel Temer, mas,
quando se fala de SUS, é o tema mais polêmico do momento.
Trata-se da revisão da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), que está aberta para consulta pública
até o dia 6. Entre as alterações propostas está a possibilidade de
outros modelos de atenção básica além da Estratégia Saúde da Família
(ESF) e a unificação em um único profissional do agente comunitário de
saúde e do agente de combate às endemias.
Embora a minuta do texto de revisão afirme que o programa Saúde da
Família seguirá como estratégia prioritária para a expansão e
consolidação da atenção básica, nota
assinada por três entidades da saúde (Associação Brasileira de Saúde
Coletiva, Centro Brasileiro de Estudos de Saúde e Escola Nacional de
Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) diz que a proposta revoga a prioridade do
modelo assistencial da ESF no âmbito do SUS.
"O texto, na prática, rompe com sua centralidade na organização do SUS,
instituindo financiamento específico para quaisquer outros modelos na
atenção básica que não contemplam a composição de equipes
multiprofissionais com a presença de agentes comunitários de saúde", diz
trecho da nota. Já o texto que está em consulta pública afirma que o
programa seguirá como estratégia prioritária para expansão e
consolidação da atenção básica no país.
Nunca é demais lembrar que o programa Saúde da Família é reconhecido
mundialmente como sendo a chave para o sucesso da expansão da atenção
básica nos últimos anos no Brasil e dos seus efeitos positivos no acesso
a serviços de saúde.
Diversos estudos associam o ESF à redução das taxas de mortalidades
infantil, cardiológica e cerebrovascular e à queda das internações por
condições sensíveis à atenção primária (diabetes e hipertensão, por
exemplo). "A proposta de reformulação da PNAB ameaça esses sucessos.
Além de abolir na prática a prioridade da ESF, em um contexto de
retração do financiamento e sem perspectivas de recursos adicionais, é
muito plausível estimar que o financiamento dessas novas configurações
de atenção básica será desviado da Estratégia Saúde da Família", afirma a
nota das entidades.
Para os especialistas, o sucesso do programa também só foi possível
porque existem regras claras a serem cumpridas e prioridade financeira
para o ESF nos municípios. Sem isso, dizem, os interesses do mercado da
saúde vão prevalecer contra os interesses da saúde pública.
Outra polêmica diz respeito à extinção dos cargos de agente comunitários
da saúde (peça fundamental do ESF) e de agente de endemias (responsável
pelo controle casa a casa do mosquito Aedes aegypti, por
exemplo), que seriam unificados na criação de um novo profissional (que
ficaria responsável pelas ações da atenção básica e da vigilância
sanitária).
Para os trabalhadores da área, a medida visa apenas cortar os custos com
a criação de um outro profissional barato, que faça tudo ao mesmo tempo
e sem os direitos que já foram conquistados pelas categorias atuais,
como o piso nacional e formação continuada, entre outros.
Em reunião na Comissão Intergestores Tripartite, ocorrida na última
quinta (27), Mauro Junqueira, presidente do Conasems (Conselho Nacional
de Secretarias Municipais de Saúde), disse que as mudanças propostas
valorizam o agente de saúde. "Ele tem de estar preparado para responder
às necessidades da população, da orientação do cartão de vacinas;
conferência de pressão; aplicação de injeção. Esse profissional vai ser
um agente de saúde. Queremos que seja empoderado em seu trabalho.
Queremos valorizar a profissão e o agente", afirmou.
Em tese, parece perfeito, mas, na prática, essa tarefa não será nada
simples. Hoje, os agentes têm formação e atribuições diferentes. O de
saúde não está preparado, por exemplo, para lidar com inseticidas,
larvicidas e raticidas. Tampouco o de endemias está preparado para
orientar uma pessoa sobre o tratamento da tuberculose e outras doenças.
Sim, podem ser capacitados. Mas isso leva tempo e empenho dos gestores.
No discurso de encerramento da reunião na última quinta, o ministro da
Saúde, Ricardo Barros, disse que a revisão da PNAB, juntamente com
outras iniciativas, "mudará completamente a saúde do Brasil". Mais uma
razão para que estejamos muito atentos a essas propostas e que haja de
fato participação popular no debate.
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