A crise na segurança pública do Brasil foi agravada em 2014 com
o aumento do número de homicídios no país, alta letalidade nas
operações policiais, uso excessivo de força para reprimir protestos,
rebeliões com mortes violentas em presídios superlotados e casos de
tortura.
As informações são parte do capítulo brasileiro do Relatório 2014/15 – O Estado dos Direitos Humanos no Mundo,
que será lançado mundialmente amanhã (25) pela Anistia Internacional.
Devido às diferenças de fuso horário, o relatório foi liberado na noite
de hoje (24) para o Brasil.
O diretor executivo da organização no Brasil, Atila Roque, informou que o país está entre as localidades onde mais se mata no mundo,
superando territórios com conflitos armados e guerras. “Um país que
perde todo ano quase 60 mil pessoas claramente não está conseguindo dar
uma resposta adequada ao princípio fundamental do estado, que é proteger
a vida. Garantir a vida com qualidade, mas, antes de tudo, garantir a
vida. A avaliação é mais dramática se pensarmos que cerca de 30 mil
[assassinados] são jovens, entre 15 e 29 anos. Desses, 77% são negros”,
explicou.
Outro problema grave apontado pela Anistia é a
impunidade. Conforme os dados do levantamento, menos de 8% dos
homicídios viram inquérito na Justiça brasileira. “Existe quase uma
licença para matar, porque praticamente só vira inquérito o crime
cometido à luz do dia, na frente de todo mundo, entre conhecidos, aquele
que todo mundo viu quem foi”, acrescentou Roque.
Ele lembra que o
Brasil tem a quarta maior população prisional do mundo. "São mais de
500 mil pessoas presas, o que não significa punição para os crimes.
Estamos prendendo muito e mal, porque prendemos quem não comete crimes
violentos. Está na cadeia quem comete crimes contra a propriedade,
contra o patrimônio e crime de tráfico de drogas, que também é bastante
controverso.”
De acordo com o relatório, a militarização da
segurança pública, com uso excessivo de força e a lógica do confronto
com o inimigo, principalmente em territórios periféricos e favelas,
contribui para manter alto o índice de violência letal
no país. “Em um período de cinco anos, a polícia brasileira matou o que
a dos Estados Unidos matou em 30 anos. E a polícia americana não é das
mais pacíficas do mundo. Entre os países desenvolvidos, é uma das que
mais matam”, ressaltou o diretor.
Ele destacou que o relatório final da Comissão Nacional da Verdade estabelece
uma relação da violência policial como legado da ditadura militar. Por
outro lado, lembrou que o policial também é vítima, sendo alto o número
de assassinatos de agentes das forças de segurança.
Entre os
casos citados pela Anistia, os destaques são o assassinato do pedreiro
Amarildo de Souza em 2013; a prisão de Rafael Braga Vieira, único
condenado nas manifestações de junho de 2013; a chacina de novembro, que
deixou dez mortos em Belém; a rebelião no Presídio de Pedrinhas (MA); o
perigo de retrocesso nas legislações que envolvem a demarcação de
terras e criminalização do aborto; a repressão violenta às manifestações
antes e durante a Copa do Mundo, além da demora do Congresso em
ratificar o Tratado Internacional de Armas.
Nas recomendações, a
entidade sugere a elaboração de um plano nacional de metas para a
redução dos homicídios, desmilitarização e reforma da polícia, com
mecanismos de controle externo, valorização dos agentes e aprimoramento
da formação, condições de trabalho e inteligência para investigação. A
Anistia Internacional também pede a implementação de um plano de
proteção de defensores de direitos humanos.
“É preciso que
enfrentemos o tema da reforma e reestruturação das polícias. Temos de
pensar a segurança pública como área de afirmação de direitos e não de
violação de direitos. É preciso que pensemos a segurança como parte das
políticas públicas e, portanto, como problema do Estado. Segurança
pública não é uma questão apenas da polícia. Essa conciência precisa ser
incorporada no Brasil de forma que possamos sair desse ciclo de
horror”, ressaltou Roque.
Como pontos positivos, ainda que
incompletos, a entidade cita a condenação, em 1992, de 75 policiais pela
morte de 111 presos na rebelião do Carandiru; a instituição do Sistema
Nacional de Prevenção e Combate à Tortura; o relatório final da Comissão
Nacional da Verdade e avanços na legislação em benefício da população
LGBT (sigla para lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e
transgêneros).
Procurados, representantes do Ministério da
Justiça informaram que ainda não tiveram acesso ao relatório. A
Secretaria de Estado de Segurança do Rio (Seseg) afirmou que, desde
2009, adota o Sistema de Metas e Acompanhamento de Resultados (SIM) e já
pagou R$ 282 milhões em premiação a policiais civis e militares pela
diminuição dos índices de criminalidade.
Por meio de nota, a
secretaria informou que, na comparação entre 2007 e 2014, junto com as
unidades de Polícia Pacificadora, o SIM contribuiu para redução de 25,8%
dos crimes de letalidade violenta (homicídio doloso, latrocínio, lesão
corporal seguida de morte e homicídio decorrente de intervenção
policial). Comparado entre o primeiro semestre de 2014 e o ano de 2008, o
percentual sobe para 80,7% nas áreas pacificadas.
De acordo com a
secretaria, a formação dos policiais foi reformulada com o programa
Novo Tempo para a Segurança, que promoveu duas revisões curriculares e a
renovação do corpo docente das academias de polícia, incluindo a
disciplina de direitos humanos no conteúdo. Além disso, a Seseg informou
que mais de 1,6 mil policiais foram expulsos por desvios de conduta ou
abusos desde o início da atual gestão.
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