Fábio Zanini, da Folha
Caruaru (PE) e Campina Grande (PB) – Os 140 km que dividem Caruaru (PE) e Campina Grande (PB) são palco de uma das maiores rivalidades do país, a de quem sedia o maior São João do mundo.
Na última eleição, essas duas metrópoles do agreste nordestino transferiram a competição para a política. As duas são sérias candidatas a serem a capital da nova direita nordestina.
Ex-redutos petistas (como, aliás, todo o Nordeste), deram a Jair Bolsonaro expressiva votação. No primeiro turno, o atual presidente ficou na frente nas duas cidades (teve 41,5% em Caruaru e 50,6% em Campina). Na cidade paraibana, ganhou também na segunda votação, com 56,3% (teve 46% em Caruaru).
Em diversas cidades localizadas entre Caruaru (350 mil habitantes) e Campina Grande (410 mil), o fenômeno se repetiu. Bolsonaro venceu nos dois turnos em Santa Cruz do Capibaribe (PE) e no primeiro turno em Taquaritinga do Norte (PE). Também foi bem votado nas cidades da região metropolitana de Campina.
De três anos para cá, as duas cidades-pólo do “eixo do forró” viram proliferar novos grupos da direita. Lá estão representados a turma conservadora alinhada a Bolsonaro, o pessoal do liberalismo econômico e braços atuantes de organizações nacionais como Livres, Novo e MBL. Nem em Recife e João Pessoa a cena destra é tão animada.
Como pode algo assim acontecer com tamanho vigor numa região em que até outro dia Lula era rei, direita era palavrão e o mito de Miguel Arraes (1916-2005), o ex-governador socialista de Pernambuco, ainda é muito presente?
Na última terça-feira (12), sentei com quatro representantes desses grupos no café de um shopping em Caruaru. Dois eram do grupo Conservadores Pernambuco, alinhado ao governo Bolsonaro; um fundou o Caruaru Livre, de orientação mais liberal; o outro era a principal liderança do Novo na região.
Apesar das diferenças entre seus grupos, têm diversas pautas em comum e se definem jocosamente como “A Liga da Direita” (um representante do MBL também foi convidado, mas acabou não aparecendo). Na campanha, organizaram carreatas pró-Bolsonaro que chegaram a reunir 2.000 veículos.
João Antonio, 42, empresário e professor de matemática que é o líder local do Novo, diz que a explicação para a explosão de direitismo tem relação com a crise do coronelismo local. “O coronelismo aqui se tornou populista e com discurso de esquerda. Mas as pessoas se cansaram disso e só querem trabalhar”, disse
Ele mesmo diz que já beijou a mão de Lula, mas se converteu ao liberalismo durante o governo do petista. De uma certa forma, diz, é uma volta às origens. Sua família tem origem aristocrática e foi dona de um engenho de açúcar na região de Cabo de Santo Agostinho, no litoral, até a terra ser expropriada por Arraes para reforma agrária nos anos 60. No ano passado, João se candidatou a deputado federal, mas não foi eleito. Deve sair para prefeito em 2020.
Pedro Holanda, 27, foi um dos fundadores do Caruaru Livre em 2013, quando cursava economia no campus de Caruaru da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). “Aqui há uma emergência do capitalismo, uma nova burguesia”, diz ele, citando que a região é um polo de confecção e moda (do qual falarei num post mais adiante).
Caruaru e Campina Grande são cidades com classes médias fortes, setor de serviços diversificado e grande presença de profissionais liberais. Por não serem as capitais de seus estados, não têm presença tão forte de funcionários públicos, público tradicional de esquerda.
Em 2014, lembra Pedro, ele deu uma entrevista para uma rádio defendendo as privatizações. “Apanhei demais, foi uma chuva de telefonemas”. Hoje, tem uma coluna na CBN local em que basicamente defende as mesmas coisas e é aplaudido.
Mas só um certo espírito empreendedor das cidades não explica a força de Bolsonaro, dizem eles. A situação da segurança pública também ofereceu amplo terreno para a pregação do capitão que ocupa a Presidência.
“Aqui ter arma para proteger a fazenda é uma necessidade”, diz Ednaldo Emerson, 35, advogado e um dos líderes do Conservadores PE, grupo que nasceu em Caruaru em 2017 e tem ramificações por todo o estado. Assaltos a banco, relata ele, também são um problema sério.
Segundo o Atlas da Violência de 2018, Caruaru registrou 68,2 homicídios por 100 mil habitantes. São Paulo, em comparação, teve 14,9.
Colega de Ednaldo no Conservadores PE, Clederson Maia, 32, diz que não tem dúvida de que o governo Bolsonaro vai dar certo. Mas se preocupa com o fato de o presidente estar “tropeçando nas próprias pernas”, especialmente na comunicação. Ainda assim, dá nota 8 para esse começo de governo.
João Antonio, do Novo, diz que torce para que a pauta econômica do governo seja aprovada rapidamente, especialmente a reforma da Previdência. Para ele, a direita ainda tem de aprender a se comunicar com as pessoas. “A gente ainda usa muito academicismo desnecessário”, diz.
Pedro faz coro. “Ainda nessa região há uma dependência muito grande do assistencialismo. Não é fácil falar da pauta econômica”.
Para Clederson, o alvo prioritário numa próxima etapa é a classe média baixa. “Ao falarmos de privatização de uma estatal municipal, vamos mostrar os benefícios que isso pode gerar no atendimento ao público. Quando tratarmos de corrupção, em vez de falar que o desvio foi de R$ 1 milhão, falar que dava para comprar 20 ambulâncias”.
Em Campina Grande, a história se repete. Mateus Siqueira, 23, estudante de administração na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), comanda o Instituto Tropeiros, organização surgida em 2016 para difundir ideias liberais na economia e nos costumes.
“Campina Grande é uma cidade de empresários. Tem muita start up vindo pra cá”, diz ele, que, aliás, tem duas: um site sobre resumo de novelas (“dá muita audiência”, diz) e outro com notas sobre política e entretenimento.
O Tropeiros (homenagem aos vaqueiros que construíram Campina Grande, no século 19) primeiro chamou a atenção na cidade em 2017 com dois seminários de nomes provocativos: “Capitalismo em favor dos pobres” e “Privatizar para Solucionar”. “A esquerda ficou louca, tivemos de chamar segurança”, lembra Siqueira.
Sua conversão foi rápida. Em 2014, ele votou em Dilma Rousseff (PT) para presidente, mas já antes da posse dela começou a se arrepender. O esquerdismo de seu curso o incomodava, diz. “Comecei a me perguntar como um curso de administração fala tanto de Keynes [pai do intervencionismo econômico] e tão pouco de Adam Smith [pai do livre mercado]”, afirma.
O instituto agora pretende começar a levar eventos sobre a reforma da Previdência para dentro da universidade. “O que faz uma sociedade crescer não é crédito, é poupança”, diz.
Mas, assim como seus colegas em Caruaru, Siqueira acha que a direita ainda tem de melhorar o nível do debate. “O meio liberal ainda é muito do chavão, do youtuberzinho. Falta um debate sério, não apenas essa conversa de ‘vamos destruir o Estado’”.
P/Sr. CARIRI
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