A imprensa e a pauta nacional
Artigo para O Estado de S. Paulo de 4 de maio de 2015
De quanto tempo será o castigo? Quanto teremos de viver sem respirar? Quantos vão morrer?
Ha controvérsias. Aquele câmbio de “fazer pobre viajar de avião”
que o Lula vive exibindo como prova do seu amor pela humanidade
destruiu a indústria nacional. Junto com a desmontagem dos três eixos de
produção de energia – a elétrica, a de biomassa de cana e a de petróleo
– pelo tamponamento de tarifas para “tirar 50 milhões de brasileiros da miséria”
com uma caneta até à véspera da eleição compõe hoje o epicentro do
tsunami que empurra para cima, aos trancos e barrancos, todo o sistema
nacional de preços relativos. A produção, o trabalho, a vida, enfim,
terá de se reacomodar por ensaio e erro apenas para deter a queda.
Mas essa é a parte fácil. Em tempos de mercados globalizados acertar entre o ministro Levy e os vendedores de “governabilidade”
em quem será enfiado cada pedacinho da conta doméstica é o de menos.
Difícil será desprogramar a subversão conceitual que explica a nossa
inesgotável tolerância ao abuso e mantém fora do horizonte qualquer
possibilidade de “ajuste internacional“, o único capaz de matar a miséria.
Os buracos hoje fecham-se ou alargam-se em função do acerto entre
cada comunidade de produtores e seus governos nacionais. O que decide é a
carga que uns põem nas costas dos outros. Todo mundo sabe disso mas, se
nós ainda guardamos alguma lucides como indivíduos, não sobrou nenhum
resquício dela enquanto sociedade. O Brasil perdeu a capacidade de
discernir a fronteira básica entre a religião e a ciência e a grande
pedreira vai ser recolocar a relação de causa e efeito, fundamento da
ciência moderna, na posição de centralidade que ela deve ter no nosso
sistema de intelecção da realidade.
Brasília nem sequer sabe que existe uma crise. É lá o tal “país sem miséria” onde, em pleno desastre nacional, a verba dos partidos triplica, os meritíssimos se outorgam “auxílios” de fazer corar os cínicos, os indemissíveis “educadores” dos filhos do Brasil, enquanto morrem em massa os empregos cá fora, não deixam por menos de retumbantes 75% a sua “exigência” de “reajuste salarial”.
E a dívida dessa Petrobras estuprada, “a maior de todo o mundo corporativo em todos os tempos”,
quantas gerações de brasileiros que ainda nem nasceram viverão e
morrerão pagando essa conta? Nem por isso a Petrobras deixa de continuar
tida e afirmada como “um orgulho nacional”, sob um
silêncio quase unanime de anuência. Nem as vísceras à mostra remetem
àquela clássica, histórica, translúcida e necessária relação de causa e
efeito entre a condição de empresa estatal num país pré-democrático e o
aparelhamento do seu staff e dos seus recursos por um projeto
de poder bandido, ainda que moremos todos no país onde nem uma única
solitária pessoa duvida que, para onde quer que se olhe, “não se coloca um paralelepípedo no chão sem pagar propina”.
O máximo que se ousa timidamente pedir são menos ministérios. Das
outras 37 fundações, 128 autarquias e 140 empresas estatais somente no
âmbito federal, ninguém fala. Da existência delas só fica sabendo,
aliás, quem olha com lente o que “vaza” pelos interstícios dos “verdadeiros problemas nacionais”
que a imprensa se permite enxergar. Adicionados estados e municípios
ninguém sabe a quantas andamos, estado x nação. A Petrobras sozinha tem
446 mil funcionários, algum jornal deixou escapar enquanto falava de
coisa “mais importante“. Meio milhão, fora aposentados e
encostados! É provável que esteja para o resto das petroleiras do mundo,
somadas, como as nossas escolas de direito estão para as do resto do
mundo somadas. Nós “ganhamos”; temos mais!
Só de “sindicatos” de propriedade una e indivisível de “líderes” sem liderados sustentados pelo imposto sindical, a linha de frente dos “movimentos sociais”
que se querem substituir ao sufrágio universal, parece que já temos 28
mil, segundo menção não provocada e acidentalmente publicada de fonte
abalizada. “Justiças”? Temos cinco, completas, um plural que elimina, “em termos”, a possibilidade de se fazer a única que de fato “é”
que é aquela que se define pelo estrito singular. Apenas uma delas
sangra nossos produtores em 50 bilhões de reais por ano — quase o ajuste
inteiro que se está buscando — só em “processos trabalhistas”, indústria à qual se dedica com exclusividade metade daquela multidão de “advogados” que nossas incontáveis fábricas de rábulas “põem” todo ano. É a sementeira do que nos tornamos; a lunpencorrupção: “minta, traia, falsifique que o governo garante”.
Quem tem a menor sombra de duvida que um país assim não pode dar
certo? Que este é o ambiente onde a corrupção e o crime estão como
querem? Que não teremos condição de competir com ninguém e quebraremos a
cara tantas vezes quantas tentarmos antes de curarmos essas feridas?
E no entanto, para quebrar o encanto, basta insistir obsessivamente
numa conta simples: quanto estrago, quanta miséria, quanta violência
evitável torna-se obrigatória ao Brasil onde vale tudo para que o Brasil
intocável possa continuar intocado? O que, a cada passo, estamos
trocando pelo quê?
Nossas escolas ensinam que tocar nesse assunto é heresia sujeita a
auto-de-fé. E nossas mentes jesuítico-aplainadas, tudo indica, estão
prontas para absorver a lição. Tanto que o máximo que nossos políticos
de oposição sugerem, nas suas mais ousadas expansões “libertárias”, é que enfrentemos tudo isso com revólveres sem balas. “Voto distrital, vá lá; mas sem recall”!
E a imprensa, disciplinadamente, ha anos que não faz esse tipo de conta
ainda que o mínimo que exige a decência de quem se quer o alarme das
iniquidades do mundo é que não falasse de outra coisa. Como, porém, ela
só se permite chamar de política aquilo que os políticos chamarem de
política e de reforma o que eles, de livre e espontânea vontade, nos
propuserem como reforma, o Brasil que trabalha, com o mundo dos estados “ultralight”
fungando-lhe no cangote, terá de seguir vivendo à espera de um milagre
para começar a discutir qualquer coisa que possa concorrer para
salvar-lhe a vida.
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