Mônica aprendeu a correr vaquejada com o pai |
Entre as dez músicas mais tocadas hoje no Spotify Brasil, cinco são de forró. No topo, está João Gomes com "Meu Pedaço de Pecado" —"vem matar logo o desejo, faz esse vaqueiro feliz de verdade", canta o pernambucano no refrão. Além de João Gomes e Wesley Safadão, outros forrozeiros como Zé Vaqueiro, Mano Walter e Taty Vaqueira divulgam o esporte com suas produções.
A origem da vaquejada remonta aos séculos 17 e 18 no sertão brasileiro. O esporte consiste em dois cavaleiros que cercam o boi e tentam derrubar o animal, puxando-o pelo rabo, em um espaço pré-delimitado de areia. "Como antigamente não era comum ter cerca nas fazendas, os donos de terra contratavam peões para cuidar e recolher esses animais do pasto. Com o tempo, os fazendeiros começaram a apostar para ver quem realizava essa prática com mais rapidez e foi aí que surgiu a vaquejada", explica a psicóloga Anyelle Brito que, em sua dissertação de mestrado para a Universidade Federal do Vale do São Francisco, estudou as questões de gênero no esporte.
Anyelle aponta que, por ser uma prática historicamente dominada por homens, a vaquejada ainda é um esporte "masculino" e que as mulheres que tentam fazer parte desse universo acabam encontrando dificuldades, como assédio e preconceito. Conversamos com algumas vaqueiras para entender melhor.
Vaqueira sim, com muito orgulho
Mônica já ganhou R$ 10 mil em torneios de vaquejada |
Questionada sobre o machismo no esporte, ela responde: "Eu mesma nunca sofri nenhum comentário machista, pelo fato de sempre estar do lado do meu pai, de irmãos, do namorado. Mas conheço muitas mulheres que já sofreram preconceito, escutaram que o lugar delas era em casa... Principalmente depois de derrotarem homens!"
Ser uma vaqueira profissional exige uma rotina diária de treinos, além do próprio material de trabalho, o que torna a prática cara. "Ter um cavalo e um lugar para treinar tornam a vaquejada um esporte caro. Outro problema é que poucas atletas mulheres são patrocinadas", comenta Anyelle.
Vaqueiras também estão nas redes sociais
Joyce também já participa de campeonatos, mas não como profissional. "Assim que passar a pandemia, quero começar a treinar mais. Minha meta de vida é sair em vaquejada pelo Brasil", comenta a estudante. Diferentemente de Mônica, ela não possui um cavalo próprio e, para começar no esporte, enfrentou dificuldades. "No começo ninguém queria me emprestar um cavalo. Achavam que pelo fato de eu ser mulher, eu não seria capaz de correr vaquejada. Eu ficava com vergonha, eles não confiavam em mim", relembra. Para Joyce, essa diferença no tratamento pode ser explicada também pelo fato da maior parte dos competidores serem homens "do interior, que cresceram em cidades pequenas".
Com o tempo, porém, ela driblou o preconceito e começou a compartilhar sua rotina nas redes sociais com posts em que ela mostra a diferença entre a Joyce "vaqueira" e a Joyce "fora das arenas"
Assim como Joyce, a estudante Whannya Silva, 18, também expõe a vida de uma "vaqueira raiz" nas redes sociais. Whannya mora no Rio Grande do Norte e aprendeu a correr vaquejada com amigos. Ela é a primeira da família a praticar o esporte. Há cerca de dois anos, a espora, a luva e o capacete fazem parte do seu guarda-roupa. "Não corro em campeonatos oficiais, mas sempre que participo de algum bolão, como são chamados os torneios amadores, gosto de me arrumar", deixa claro.
Antigamente eu me inspirava nos homens, não via muitas mulheres competindo. Hoje em dia o ambiente está diferente. Meu plano para o futuro é comprar um cavalo - Whannya Silva A profissional Mônica Cardoso engrossa o caldo das vaqueiras "cuidadosas": "A Mônica fora das pistas é vaidosa, delicada e frágil. Somos totalmente normais".
Amor de vaqueiro
Segundo a psicóloga Anyelle Brito, muitas dessas atletas têm sua orientação sexual questionada por praticarem o esporte. "Ao mesmo tempo em que essas femininas sofrem situações de assédio, elas também ouvem que são lésbicas, 'machos'. É complicado", comenta a especialista.
Entretanto, um fator além do esporte une Mônica e Joyce: ambas já viveram um "amor de vaqueiro". Mônica namora um atleta profissional do esporte (José Iran) e Joyce aprendeu a correr por influência do ex. Foi, inclusive, brincando com o assunto que a estudante de veterinária viralizou no Tik Tok:
Direitos dos animais
Todas as entrevistadas nesta reportagem frisaram que a vaquejada é uma manifestação cultural e que as regras estabelecidas pela ABRAVA garantem a proteção dos animais. Para a ativista Alessandra Luglio, porém, o uso de animais para a prática de esportes é desumano.
"Não é só colocar um rabo de plástico que vai diminuir a dor do bicho, não dá para fazer redução de danos nesse caso. Vale lembrar que muitas coisas culturais mudaram com o tempo, inclusive o jeito que os humanos se relacionam. Se formos colocar em uma escala, entre alimentação carnívora e vaquejada, pelo menos comer é essencial, o entretenimento, não."
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