quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Amor veio de avião

NO TÚNEL DO TEMPO
 

Aterrisagem forçada leva aviador a se apaixonar por jovem no Cariri, nos idos de 50.
 
Josefa Araújo Bostellmann não tinha ainda vinte anos, quando em sua cidade natal, Serra Branca, no Cariri paraibano, a 198 Km de João Pessoa, um avião Hudson -B2, da Força Aérea Brasileira, caiu na área conhecida por Lagoa do Panati e fez uma aterrisagem forçada, no caminho que conduz a Coxixola. O aparelho levava militares que iriam garantir as eleições de Sousa, no Sertão. Mas, uma pane em um dos motores contribuiu para a queda involuntária que resultou, apenas, em ferimentos no mecânico de bordo, o paranaense Rubens Bostellmann. Foi aí, numa tarde de 2 de outubro de 1950, que uma tragédia deu início a uma história de amor, que resultou em grande felicidade.


Quem socorreu os náufragos do ar foi o padre João Marques. Ele acolheu passageiros e tripulantes da nave avariada. Rubens, por se encontrar ferido, foi levado para o Recife. Ele tinha um corte profundo nas costas e isto preocupou a todos. Mas retornou curado, dois meses depois e foi dar um passeio pela festa da padroeira da cidade, Nossa Senhora da Conceição. Lá, entre as diversas moças que se encontravam olhando o pavilhão central, Rubens notou Josefa. O jovem sargento da FAB aproximou-se e disse:
- Você acredita em amor à primeira vista?


"Não acredito em amor antigo, quanto mais à primeira vista", respondeu a moça.
A pergunta serviu para o casal iniciar uma conversa, que durou muitas horas. O mecânico aviador disse a ela que estava hospedado na casa paroquial, onde vivia o seu salvador terreno, o padre João Marques. Desta vez, ele passou cinco dias em Serra Branca. No último dia, quando já ia viajar, Rubens perguntou a Josefa se poderia vir passar o Natal em Serra Branca. Ela respondeu: "Claro.Se é o padre quem vai lhe hospedar, tudo bem". A menina fez bico doce. O jovem ficou um pouco triste.

Quinze dias depois, já durante o Natal, Rubens retornou a Serra Branca. Josefa ainda não considerava namoro, aquele relacionamento recente. O Natal passou, sem maiores novidades. Rubens, caindo de amores, porém com medo de se declarar. Josefa, firme como uma rocha, sem fornecer colher de chá. Muito vigiada pela família e ainda indecisa, ela respondeu sim, quando ele indagou se poderia passar as férias em Serra Branca. Sim, não, ela apenas disse que ele era quem sabia.


É bom citar que Rubens era destacado na Base Aérea da FAB, em Recife. Em janeiro de 1951 ele voltou a Serra Branca, mas teve o cuidado de, antes, pedir permissão ao pai de Josefa, o comerciante Antônio Bezerra de Souza, para conversar com a moça em casa. Na época, Bezerra era um dos maiores comerciantes do Cariri. O consentimento foi imediato. "O futuro sogro topou com a cara do futuro genro", brinca Josefa.

Depois desse colóquio com os familiares da futura mulher, Rubens fez 13 viagens de Teco-Teco a Serra Branca. Ele e Josefa combinaram um código de reconhecimento: o avião dava um rasante sobre a loja do pai da namorada, subia, entrava em parafuso no centro da cidade, depois aterrisava no Campo de Futebol de Serra Branca, onde atualmente é o campo do Flamengo. Ele também adotava sobrevoar a cidade até o riacho do Aú, dava rasante em cima da loja e ia para o pouso. Quem primeiro corria ao encontro de Rubens era o padre João Marques e Josefa. "A gente ia a pé, pois o campo sempre foi pertinho", explica.
Quem primeiro denunciava a presença do avião de Rubens sobre Serra Branca era Maria Íris, irmã de Josefa, que gritava: "É o galego, é o galego". Era. Branco, loiro e de olhos azuis, Rubens era o típico descendente de alemães conquistando o coração de uma donzela do Cariri da Paraíba.

Já muito ciosa dos gostos do namorado, Josefa mandava buscar gasolina de avião em Campina Grande. Não fosse assim, Rubens não teria como retornar para Recife. Por antecedência ela adquiria 40 litros. O galego chegava às 16 horas dos sábados e retornava às oito da manhã dos domingos. Era uma rotina que não agradava a Josefa. Um dia, ela deu um muxoxo e disse que era melhor ele não vir. Rubens ficou desgostoso mas seis meses depois de iniciado o namoro ele noivou.

O casamento veio 180 dias após o noivado, em 2 de maio de 1952, na Matriz de Nossa Senhora da Conceição, em Serra Branca. Dias depois, o casal foi morar em Recife, onde passou 10 anos. Também morou 2 anos em Curitiba. Dona Josefa, caririense da gema, estranhou o frio sulista. Dos seis filhos que nasceram do casal, só estão vivos Luís, Suzana e Roseane. Luís, continua morando em Curitiba. É comerciante autônomo. Suzana é dentista em Canoinhas, interior de Santa Catarina. E Roseane trabalha como médica obstetra em Nova Iorque. Josefa tem seis netos dos três filhos.

Apesar de ter vivido um amor super diferente, Josefa foi a única do lugar a casar assim, de forma inusitada, nos últimos 60 anos. Ela conta que Rubens era um homem muito sério. "As moças e até mulheres casadas davam em cima, mas ele só tinha olhos para mim. Fui feliz, nos 47 anos de casada. E, durante o namoro, eu nunca soube de outra namorada dele".

Após uma ausência de mais de 50 anos, o casal retorna para Serra Branca. Rubens morreu em 10 de outubro de 1999. Quatro anos antes, recebeu o título de Cidadão Serrabranquense. Reformou-se como segundo-tenente da Aeronáutica. Neste período, foi o único desta arma a morar por lá. Ainda hoje, qualquer avião que passa por Serra Branca desperta a curiosidade de Josefa. Ela guarda a foto de um Bombardeiro C-130, que a FAB mandou Rubens buscar nos Estados Unidos. Foi o último avião que Rubens trabalhou, ora pilotando, ora fazendo a manutenção.

Natural de Rio Negro, no interior do Paraná, Rubens era filho de casal teuto-italiano. Seu pai, Henny Bostellmann era casado com Laura, de cujo sobrenome Josefa não lembra. Numa das vezes que chegou a Serra Branca o rio Aú estava cheio. Rubens, então, mostrou suas qualidades de bom nadador: estacionou o avião do outro lado e atravessou a nado, para chegar ao caminho da casa da namorada. "Ele não via obstáculos entre nós. O que aparecesse, ele superava,", conta a viúva.

Sotaque e chimarrão

O pai de Josefa, Antônio Bezerra da Silva, tinha um empório em Serra Branca que seria o precursor dos supermercados de hoje. Vendia de café, a açúcar, tecidos, sapatos e ferragens. Ele gostou do genro, por sentir a sinceridade do rapaz. Josefa, a mãe de Josefa filha, considerava Rubens como um dos filhos. O sotaque sulista de Rubens chamava a atenção. Em Serra Branca, o pessoal ficava espantado quando via ele sorvendo chimarrão. O pessoal de Rubens recebeu Josefa sem preconceitos, embora ficase admirado com o sotaque nordestino de Josefa. Hoje, Josefa mora há 12 anos na mesma casa em que vivia com o marido. Passa o tempo a olhar fotos colocadas em molduras, onde Rubens aparece ora exibindo sua juventude, ora curtindo sua fase de avô.

Por Sr. CARIRI
Vitrine do Cariri
A União - Hilton Gouvêa (texto) - Marcos Russo (fotos)

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