O programador Rômulo Saksida, que trabalha para estrangeiros a partir da nuvem humana
e trabalha para estrangeiros a partir da nuvem humana
Uma nova divisão globalizada do trabalho vem ocorrendo graças às
chamadas plataformas de nuvem humana ("human cloud", na expressão
original em inglês).
Trata-se de um mercado movido por cerca de 300 aplicativos que conectam
empresas ou pessoas em busca de um serviço a trabalhadores de qualquer
lugar do mundo dispostos a receber por tarefa, sem vínculos formais.
Apesar de tímida, a presença brasileira nesse mercado digital tem crescido.
É o que aponta a plataforma Freelancers.com, uma das maiores do gênero,
que viu o número de brasileiros inscritos aumentar mais de 50% nos
últimos 12 meses: de 190 mil para 290 mil.
No mesmo período, pessoas e empresas brasileiras publicaram 18 mil ofertas de serviços ou projetos.
O aumento fez a empresa incluir o real entre as moedas usadas nas
transações -sobre as quais cobra de 10%-, bem como permitir o pagamento
via boleto bancário, algo incomum fora do Brasil.
O país, no entanto, não está entre os dez que mais contratam via nuvem
humana nem entre os dez que mais oferecem mão de obra on-line, ranking
em que se destacam Filipinas, Bangladesh, Rússia, Romênia e Índia,
segundo o maior site de nuvem humana de hoje, o Upwork.
Nenhuma das 25 principais plataformas tem sede ou representação formal no país.
A crise econômica do Brasil, no entanto, pode colocar mais profissionais
em contato com esse novo mercado digital de trabalho, que movimentou em
2014 cerca de
US$ 10 bilhões (R$ 40,4 bilhões), segundo estudo da consultoria internacional Staffing Industry Analysis.
US$ 10 bilhões (R$ 40,4 bilhões), segundo estudo da consultoria internacional Staffing Industry Analysis.
"Há cinco anos quem procura trabalho enfrenta dificuldade no país. E a
crise faz o trabalhador buscar alternativas", avalia Anna Cherubina,
professora da FGV e especialista em carreiras e mercado de trabalho.
Para ela, cada vez mais os trabalhos serão realizados por projeto e por
tarefa. "É uma tendência natural do mercado por ser mais ágil, diminuir
os custos das empresas -que dispensam encargos trabalhistas e
compromissos de continuidade- e permitir aos contratantes acessar
habilidades e conhecimentos que não existem localmente", argumenta.
COMPETIÇÃO GLOBAL
Com essa competição globalizada, trabalhadores altamente qualificados de
países em desenvolvimento conseguem operar com custo mais baixo que
seus pares de países desenvolvidos.
É o caso do programador Rômulo Saksida, 27, que começou a oferecer
serviços pelo site Upwork há três anos por um valor maior que o do
mercado brasileiro, mas menor que aquele cobrado pelos americanos, por
exemplo.
"Os melhores clientes são aqueles de países desenvolvidos atrás de
profissionais mais baratos", diz. "O que permite a vantagem econômica
nesse modelo é a diferença de custo de vida entre os países. E isso
acaba sendo bom para as duas partes."
Para Bruno Campos, da LCA Consultores, a competição gera bem-estar. "O
risco, no entanto, é que os mecanismos de segurança do trabalhador que
encontramos nos arranjos formais ficam de lado neste modelo", avalia.
Segundo David Francis, pesquisador da Staffing Industry, "a nuvem humana
tende a tornar serviços e custos mais eficientes, mas o perigo é que
essas plataformas sirvam como uma 'race to the bottom' (leia texto ao
lado), em que ganha quem oferece o serviço por um preço mais baixo,
depreciando o valor e as condições de trabalho".
Por outro lado, diz ele, esses sites abrem oportunidades para trabalhadores altamente qualificados e para os sem qualificação.
É o caso da Raquel Brito, 20, que começou a usar a plataforma nacional
Workana quando vivia no interior do Ceará e não tinha qualificação
profissional alguma.
"Oferecia serviços de assistência administrativa e de pesquisa por US$ 3,50 [cerca de R$ 14] a hora", conta.
Aos poucos, aprendeu a se virar no inglês e migrou para o Upwork, onde
já trabalhou para empresas da Argentina, da China e dos EUA. Hoje, cobra
US$ 100/hora (R$ 404). "Já cheguei a ganhar
R$ 3.000, mas há meses em que não passo dos R$ 600."
R$ 3.000, mas há meses em que não passo dos R$ 600."
Nesses sites, empregadores e trabalhadores se avaliam mutuamente quando o
serviço é concluído, o que pode beneficiar profissionais sem
qualificação formal.
"Na contratação virtual, o que se leva em conta são fatores diferentes
da contratação presencial: o know-how, o compromisso e o prazo de
entrega", diz Cherubina. "A competência está em alta em relação à
formação."
Tanto ela como Campos consideram que um dos grandes entraves da expansão
desse mercado no Brasil é a cultura corporativa conservadora, que
valoriza o trabalho presencial e a carteira assinada.
O economista aponta a falta de acesso à internet como outra dificuldade: são 98 milhões sem acesso à rede.
Para Francis, da Staffing Industry, a falta de trabalhadores bilíngues é um dos principais pontos fracos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário