domingo, 17 de janeiro de 2016

Plataformas globais que unem empresas e prestadores de serviço crescem no Brasil

O programador Rómulo Saksidaé, que trabalha para empresas estrangeiras a partir de plataformas de nuvem humana
O programador Rômulo Saksida, que trabalha para estrangeiros a partir da nuvem humana
e trabalha para estrangeiros a partir da nuvem humana

Uma nova divisão globalizada do trabalho vem ocorrendo graças às chamadas plataformas de nuvem humana ("human cloud", na expressão original em inglês).
Trata-se de um mercado movido por cerca de 300 aplicativos que conectam empresas ou pessoas em busca de um serviço a trabalhadores de qualquer lugar do mundo dispostos a receber por tarefa, sem vínculos formais.
Apesar de tímida, a presença brasileira nesse mercado digital tem crescido.
É o que aponta a plataforma Freelancers.com, uma das maiores do gênero, que viu o número de brasileiros inscritos aumentar mais de 50% nos últimos 12 meses: de 190 mil para 290 mil.
No mesmo período, pessoas e empresas brasileiras publicaram 18 mil ofertas de serviços ou projetos.
O aumento fez a empresa incluir o real entre as moedas usadas nas transações -sobre as quais cobra de 10%-, bem como permitir o pagamento via boleto bancário, algo incomum fora do Brasil.
O país, no entanto, não está entre os dez que mais contratam via nuvem humana nem entre os dez que mais oferecem mão de obra on-line, ranking em que se destacam Filipinas, Bangladesh, Rússia, Romênia e Índia, segundo o maior site de nuvem humana de hoje, o Upwork.
Nenhuma das 25 principais plataformas tem sede ou representação formal no país.
A crise econômica do Brasil, no entanto, pode colocar mais profissionais em contato com esse novo mercado digital de trabalho, que movimentou em 2014 cerca de
US$ 10 bilhões (R$ 40,4 bilhões), segundo estudo da consultoria internacional Staffing Industry Analysis.
"Há cinco anos quem procura trabalho enfrenta dificuldade no país. E a crise faz o trabalhador buscar alternativas", avalia Anna Cherubina, professora da FGV e especialista em carreiras e mercado de trabalho.
Para ela, cada vez mais os trabalhos serão realizados por projeto e por tarefa. "É uma tendência natural do mercado por ser mais ágil, diminuir os custos das empresas -que dispensam encargos trabalhistas e compromissos de continuidade- e permitir aos contratantes acessar habilidades e conhecimentos que não existem localmente", argumenta.
COMPETIÇÃO GLOBAL
Com essa competição globalizada, trabalhadores altamente qualificados de países em desenvolvimento conseguem operar com custo mais baixo que seus pares de países desenvolvidos.
É o caso do programador Rômulo Saksida, 27, que começou a oferecer serviços pelo site Upwork há três anos por um valor maior que o do mercado brasileiro, mas menor que aquele cobrado pelos americanos, por exemplo.
"Os melhores clientes são aqueles de países desenvolvidos atrás de profissionais mais baratos", diz. "O que permite a vantagem econômica nesse modelo é a diferença de custo de vida entre os países. E isso acaba sendo bom para as duas partes."
Para Bruno Campos, da LCA Consultores, a competição gera bem-estar. "O risco, no entanto, é que os mecanismos de segurança do trabalhador que encontramos nos arranjos formais ficam de lado neste modelo", avalia.
Segundo David Francis, pesquisador da Staffing Industry, "a nuvem humana tende a tornar serviços e custos mais eficientes, mas o perigo é que essas plataformas sirvam como uma 'race to the bottom' (leia texto ao lado), em que ganha quem oferece o serviço por um preço mais baixo, depreciando o valor e as condições de trabalho".
Por outro lado, diz ele, esses sites abrem oportunidades para trabalhadores altamente qualificados e para os sem qualificação.
É o caso da Raquel Brito, 20, que começou a usar a plataforma nacional Workana quando vivia no interior do Ceará e não tinha qualificação profissional alguma.
"Oferecia serviços de assistência administrativa e de pesquisa por US$ 3,50 [cerca de R$ 14] a hora", conta.
Aos poucos, aprendeu a se virar no inglês e migrou para o Upwork, onde já trabalhou para empresas da Argentina, da China e dos EUA. Hoje, cobra US$ 100/hora (R$ 404). "Já cheguei a ganhar
R$ 3.000, mas há meses em que não passo dos R$ 600."
Nesses sites, empregadores e trabalhadores se avaliam mutuamente quando o serviço é concluído, o que pode beneficiar profissionais sem qualificação formal.
"Na contratação virtual, o que se leva em conta são fatores diferentes da contratação presencial: o know-how, o compromisso e o prazo de entrega", diz Cherubina. "A competência está em alta em relação à formação."
Tanto ela como Campos consideram que um dos grandes entraves da expansão desse mercado no Brasil é a cultura corporativa conservadora, que valoriza o trabalho presencial e a carteira assinada.
O economista aponta a falta de acesso à internet como outra dificuldade: são 98 milhões sem acesso à rede.
Para Francis, da Staffing Industry, a falta de trabalhadores bilíngues é um dos principais pontos fracos.

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