quarta-feira, 22 de março de 2017

Fornecimento de água deve ser baseado em oferta, não em demanda, diz ex-ministro

O  ministro Sarney  Filho e a coordenadora do programa  Rede das  Águas da Fundação SOS Mata Atlântica,
Malu Ribeiro Archives, participam de seminário sobre os 20 anos da Lei das ÁguasJosé Cruz/Agência Brasil

“A oferta de água para a população deve ser necessária e definida, e a sociedade precisa se conscientizar de que não dá mais para consumir água de maneira perdulária”, disse o consultor e ex-ministro do Meio Ambiente José Carlos Carvalho.
Segundo ele, as políticas de fornecimento de água no país são baseadas na abundância e, diante da escassez do recurso, isso precisa ser revisto.
“O suprimento de água é baseado em uma demanda elástica e ilimitada. Se a pessoa resolver consumir 300 litros por dia, é como se o Poder Público tivesse que se virar para atender. Isso acabou! A política tem que ser baseada na política da escassez, não haverá recursos para demanda ilimitada”, disse Carvalho, que participou hoje (22) do Seminário Águas do Brasil, que reuniu especialistas e representantes da sociedade civil no Ministério do Meio Ambiente para falar sobre os 20 anos da Lei das Águas.
Para Carvalho, a Lei das Águas trouxe conquistas extraordinários, mas ainda é preciso avançar na integração entre as políticas públicas. “Na natureza, há uma relação de total interdependência entre os recursos naturais, chamo de trilogia santa: água, solo e florestas. E as políticas públicas normalmente buscam soluções, ainda que na melhor das intenções, sem levar em conta essa integração”, acrescentou o ex-ministro, lembrando que a outorga de lançamento de efluentes, conquistada na Lei das Águas, não é integrada ao licenciamento ambiental.
O ex-ministro criticou ainda a cultura institucional de gestão das águas. Embora a Lei das Águas tenha colocado um modelo de gestão colegiado e participativo, para Carvalho, a norma foi insuficiente para mexer no modelo de governança unilateral. “Estamos falando de um bem coletivo, e os comitês de bacia não são empoderados o suficiente. Pode-se fazer a melhor lei, mas, se não se tiver capacidade de implementação, é uma lei, e nada mais que isso. E nossa capacidade de implementação está no chão”, afirmou.
Criar estratégias de financiamento para investimentos em recursos hídricos é essencial. Segundo  Carvalho, o que mais se discutiu durante a construção do Código Florestal foram as Áreas de Preservação Permanente e a Reserva Legal, onde estão as nascentes e matas ciliares de recursos hídricos. “Só que ele [o Código] continua uma lei de comando e controle, é mandatória na questão florestal. Quando trata de incentivos econômicos, é declaratória, e aí continuamos com dificuldade de implementação.”
Desafio
Para o ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, o grande desafio é recuperar a qualidade e a quantidade de recursos hídrico. O ministro citou o Programa de Revitalização do Rio São Francisco, que foi retomado, destinava a maioria dos recursos ao saneamento dos municípios, “mas não tinha dinheiro nem para a recuperação de nascentes, nem para o plantio de matas”.
Sarney explicou que é preciso cuidar da mitigação às mudanças climáticas e de regimes de chuvas, sem esquecer da adaptação, do plantio de árvores. “As últimas crises hídricas mostraram isso. Não houve só mudança nos regimes de chuva, mas as bacias que transportavam as águas eram as mais desprotegidas.” Ele enfatizou que é preciso recuperar a qualidade das águas e garantir que a quantidade não diminua.
Crise
O ministro deu como exemplo a crise de abastecimento no Distrito Federal. “A primeira em 50 anos, e a tendência é que se repita”, disse.
Segundo o secretário-chefe da Casa Civil do Distrito Federal, Sérgio Sampaio, a capital federal vivencia uma situação inédita. “Brasília foi construída em um local selecionado porque tinha, justamente, as características para o desenvolvimento de uma cidade. A epopeia nacional, a cidade dos sonhos de Dom Bosco como terra de muita abundância, hoje se vê em uma situação de escassez hídrica muito preocupante”, afirmou.
Para Sampaio, tal situação deve-se a diversos fatores, entre os quais, o descompromisso total com políticas de ocupação responsável do solo. “Temos uma trajetória de ocupação urbana sem nenhum cuidado ambiental e urbanístico”, disse o secretário, referindo-se às comunidades que se formaram de modo irregular no Distrito Federal ao longo dos anos, algumas em locais de nascentes de água.
De acordo com Sampaio, a expansão das fronteiras agrícolas também colaborou para a escassez, na medida em que o Cerrado foi visto como dispensável. “À medida que a agricultura avança, faz com que as mudanças no clima sejam sentidas de maneira muito clara.”
O secretário citou ainda o desmatamento na Amazônia como fator para a redução do volume de chuvas. “A massa úmida que se concentrava no centro do Brasil é cada vez mais empurrada pela massa de ar seco que vem da Antártica. Nunca tivemos dois anos seguidos com o volume de chuva bem inferior ao volume histórico. [Este ano], choveu 30% menos que no ano passado, que já vinha sendo um ano com redução significativa de chuvas”, explicou.
Segundo Sampaio, as diversas ações contra a escassez hídrica que vinham sendo executadas foram integradas em um plano de recursos hídricos, que prevê medidas de fiscalização, infraestrutura, educação e regulação.
Edição: Lílian Beraldo

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