Intérprete de clássicos do forró como "Caboclo Sonhador", "Tareco e Mariola" e "Espumas ao Vento" e artista muito popular no Nordeste, o cantor paraibano Flávio José, 64, foi surpreendido há duas semanas com um telefonema de seu amigo e conterrâneo Jassa, mais conhecido como o cabeleireiro de Silvio Santos.
"Eu estava em Campina Grande, tinha acabado de chegar de São Paulo. Jassa disse: 'Tem um amigo meu aqui de São Paulo que quer falar com você', e passou o telefone. 'Oi, Flávio, aqui é o Michel Temer. Estou ligando para parabenizar pela música, muito bonita, chegou na hora certa'", relata o cantor.
A música a que o presidente se referia é "Deixe o Rio Desaguar", de Aracílio Araújo, transformada, na interpretação de Flávio, numa espécie de hino da transposição.
Traz versos como "O São Francisco com sua transposição/ No meu Nordeste o progresso vai chegar/ Se é que o Brasil agora está na mão certa/ Na contramão o meu sertão não vai ficar" e "Priorize esse projeto, seu doutor/ E deixe o rio desaguar".
Embora soe como feita para o atual momento, na verdade a canção foi composta há mais de 20 anos e gravada por Flávio, há 17 anos –no álbum "Seu Olhar Não Mente", de 2000.
Numa mostra de como o projeto é antigo, os primeiros versos da música já mencionam cidades do eixo norte da transposição: "A água sai de Cabrobó [cidade pernambucana de onde parte o eixo norte], Parnamirim, Salgueiro até Jati".
Quando a canção foi composta, o país era governado por Fernando Henrique Cardoso (PSDB), cujo governo concebeu um projeto para a transposição, mas em seguida o engavetou. A obra começou a ser construída em 2007, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
No evento em que Temer inaugurou o eixo leste da transposição, no último dia 10, em Monteiro, a música foi a trilha sonora ininterrupta nos alto falantes até que os políticos começassem a discursar –daí o telefonema do presidente. Contatada pela reportagem, a assessoria de Temer confirmou o relato do cantor.
Natural de Monteiro, onde mantém residência parte da semana e é proprietário de uma rádio, Flávio José não foi à cerimônia –estava em viagem–, mas é um velho entusiasta da transposição.
"Desde criança, quando chovia nessa época, o rio [Paraíba] descia, como costumamos dizer, [com água] de canto a canto. Com o passar dos anos, isso foi morrendo, e de repente secou de vez. Vendo esse rio novamente cheio, não tenho palavras, é muito emocionante", disse o cantor.
No domingo passado (12), ele aceitou o convite da Folha para gravar um vídeo às 6h à beira do rio Paraíba, esturricado nos últimos anos por causa da seca que atinge o semiárido nordestino e por cujo leito agora correm águas da transposição. Tocou com uma sanfona Brandoni de 120 baixos toda em madeira (comprou o instrumento da marca italiana, uma das melhores do mundo, quando participou de um festival de acordeonistas no país europeu).
Apesar do horário, aos poucos foi se formando uma aglomeração de fãs em torno do cantor, aplaudido ao final da breve apresentação.
Neste domingo (19), ele não estava em Monteiro tampouco participou do evento com Lula na cidade. Sobre a controvérsia em torno da paternidade da transposição, Flávio é diplomático: "Todo mundo sabe que quem tirou do papel foi o presidente Lula. O destino quis que Michel Temer inaugurasse. As coisas são como Deus determina, e assim foi".
Folha de São Paulo
P/Sr. CARIRI
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