sábado, 28 de abril de 2018

ARTIGO DE UM FILHO I

Samuel


                                             UM ANO SEM PAPAI
                                 UM ORIGINAL SAMUEL SALGADO
Sr. DIOCLÉCIO
Manhã de 08 de setembro de 2002. Recorro à memória e reconstruo, aos poucos, os últimos instantes daquele final de tarde do sábado 08 de setembro de 2001, em que eu e papai conversávamos descontraidamente. 

Ele com voz firme, olhar vivo, semblante tranqüilo e expressão segura, diziame: “vou com você, terça-feira, procurar um Advogado para processar o Médico que realizou a angioplastia em mim, pois houve um erro na colocação do stent” (prótese que tem a função de manter aberta a coronária afetada por depósitos de gordura). 

Foi a última conversa que tivemos. No início daquela noite, que vai se distanciando no tempo, seu coração dava a derradeira batida. A certidão de óbito relata como causa da morte: infarto do miocárdio acompanhado de oclusão do stent. A inteligência, aquele estilo bem próprio de falar e a vida estavam definitivamente encerrados. 

Por que aquele coração parou de bater? Recordar tudo isso me torna um grande sofredor. A dor toma conta de mim. Sinto na alma a dimensão dessa dor. Dói a realidade de tê-lo perdido. Dói muito acordar a cada dia e saber que ele se foi para sempre. Dói demais a sua ausência. Dói desesperadamente. 

Essa dor maltrata-me. Não tem fim. Difícil é suportá-la. É muito constrangedor conviver com perdas. Cada dia é mais um dia sem ele. A sensação do “nunca” é a pior que se pode sentir. Ele imaginava viver mais. Havia dito a mim e a Rui (seu sobrinho) que, se não ocorresse algum problema de saúde, viveria, no mínimo, dez anos. Agora é só saudade! 

A morte é assim, traiçoeira. Jamais compreendida. Momento terrível de emoção e sofrimento para os que estão vivos. O silêncio absoluto e o mistério a dominam. 

O Pastor, no cerimonial fúnebre, disse: “cada um de nós tem um número na fila invisível da morte, mas ninguém sabe qual é o seu. O fim pode chegar a qualquer momento”. Depois que ele partiu para a eternidade, existe um vazio na minha existência. 

Sem ele, nunca mais o mundo será o mesmo. Recordar papai é reviver parte da minha vida que se foi pra não mais voltar. A sua marca forte de encarar a vida, era a solidariedade. Gastou parte da sua vida nas vidas dos que o cercavam. Muitas vezes renunciou os próprios sonhos para realizar os dos outros. Repulsava a injustiça e a miséria. Era contra todas as formas de brutalidade. 

Os embates da vida nunca o dobraram. Irreverente, sempre desafiava o desconhecido. Nem a morte pode apagar o exemplo deixado por ele. Transmitiu uma visão de vida que me levou a acreditar que as coisas podem ser mudadas. Ele se foi desse mundo, consciente da existência de Deus, sem medo da morte. Na tarde do domingo 09 de setembro, a tumba do nada o recebeu para cumprir o que está escrito: ao pó voltarás. Lá, tio Edson lhe faz companhia na solidão da última morada. 

Na sepultura ao lado, está Tia Antônia (sua irmã), que morreu faltando onze dias para completar um ano do falecimento de papai. Não fosse o erro médico, ainda hoje ele estaria em nosso meio. 

A morte só quer uma desculpa. 

Resta-nos a certeza de saber que estamos aqui de passagem. Estamos a caminho. Portanto, fomos criados para o infinito. Somos todos peregrinos. Continuo aqui, fiel à sua memória. 

SAMUEL SALGADO 08 de setembro de 2002

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