sexta-feira, 19 de maio de 2017

MEMÓRIAS DE UM FOLIÃO - MARCOS MOURA FALANDO DE CARNAVAL EM PLENO SÃO JOÃO



MEMÓRIAS DE UM FOLIÃO





Um dia desses encontrei um velho folião, atrás de um caneco monumental de cerveja lá na barraca do Netinho em Sumé-PB.
Preparando-se para tomar uma bem geladinha?
aguarde o carnaval vem aí. Perguntei puxando uma cadeira.

Ele olhou para mim com ar de espanto!
Carnaval, que carnaval? Para mim o carnaval morreu. Já não se faz carnaval como antigamente e como está, não me interessa, disse melancólico.
Difícil de acreditar. Magro, solteiro, uma voz inconfundível e brincalhão, Marcos Moura, excelente profissional de rádio, sempre foi a própria personificação do carnaval desde garoto, quando metia-se nos cordões de rua, desfilando nas troças, e, já quarentão, viveu o melhor do carnaval. Mas o que gostava mesmo era dos bailes de salão. Ali ele viveu todas as fantasias do carnaval, as do amor e as de cetim. Adora as marchinhas e gaba - se de conhecer todos os grandes sucessos de todos os carnavais.
"Pierrot Apaixonado?" É de 1936, composição de Heitor dos Prazeres e Noel Rosa. "Abre Alas"? Essa de 1899, de Chiquinha Gonzaga. "Mamãe eu quero", de Vicente Paiva e Jararaca, de 1937. " A Cabeleira do Zezé?" João Roberto Kelly e Roberto Faissal, 1964.
E 'Quebra, quebra, Gabiroba'? Agora te peguei, não?
Não foi desta vez. Essa é do folclore mineiro que fez sucesso no carnaval de 1930, com arranjo de Plínio Brito e cantada pelo Coro Colombia.
Marcos Moura é assim. Um sabe-tudo, um vive-tudo.
Vendo-o ali, agora, grisalho, achei que deveria puxar pela nostalgia.
Você tem razão. Não se faz mais carnaval como antigamente. Lembra dos lança-perfumes? Aquelas garrafinhas de vidro com o gatilho aveludado, tão elegante, lembra?
-Coisa de mulher!, rosnou por entre os dentes. Homem mesmo usava aquelas douradas, de metal. Mas nada tinham de romântica só prejudicava a saúde...
- E a decoração, os confetes, as serpentinas, lembra? Os salões pareciam cenários de Hollywood, tentei outra vez.
- Cenários das chanchadas da Atlântida, isso sim, onde sempre acabavam metendo um número de carnaval. Tudo papelão pintado, muito chinfrim.
-E os concursos de fantasias de Clóvis Bornay, lembra?
Aquele luxo de encher os olhos...
-Pura BABAQUICE, FRESCURA.
Não me contive:
Se tudo aquilo era bobagem, por que você fica aí lamentando que não se faz carnaval como antigamente? O que está faltando afinal, no carnaval de hoje?
Ele abriu um sorriso. Amaciou a voz e disse baixinho:
-Sabe o que é que está faltando? Um pouco de libertinagem. A velha libertinagem de antigamente.É isso que não tem mais. Um pouco de pecado na clandestinidade...
-Mas isso é o que não falta agora, com tanta mulher pelada...
-Ah, não é a mesma coisa.É só um monte de tetas, nádegas e coxas remexendo para a televisão. Falta malícia. Sem malícia não tem pecado.Sem pecado não tem graça. Acho que Nelson Rodrigues já disse isso.
Suspirou fundo e depois prosseguiu:
Mas a culpa não é do carnaval. Foi o mundo que mudou. Comparado com o que acontece por aí, o carnaval virou festa de beatas. Ouvi dizer que vão convIdar até padres para desfilar. É ou não é o fim?
Enquanto ele falava eu me lembrava das Cinzas de antigamente. Os foliões chegando, um a um, para expiar seus pecados.Ah, que pecados! ainda cheios de confetes e dos suores da carne. Divididos entre Deus e o diabo, eles encontravam no carnaval o tempo da libertinagem consentida, em que tudo era permitido, mas que tinha sua lógica e a sua mecânica e cada um fazia a sua parte, na hora devida.

"Acho que não é só Marcos Moura, que está ficando velho", pensei. Ele olhou para mim e percebeu. Animou, enfim, e chamou o garçom:

-Traz uma dose de WISK  para o meu amigo Ferraz. E traz outra cerveja para  o nostálgico aqui, porque está começando a bater a hora da saudade.

Ferraz Júnior (In memoriam)
Marcos Moura

plenário de angelim

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